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Mateus Gusmão
“Vocês não sabem o quanto é ruim viver 13 anos sobre substâncias que podem me causar um câncer”. Foi com essas palavras, duras e realistas, que Leonardo Gonçalves, integrante da Comissão de Moradores do Volta Grande IV, desabafou durante uma reunião da Comissão Ambiental Sul, ligada à Igreja Católica, na manhã de terça, 7. O evento contou com a presença de moradores e políticos, como os deputados Gotardo Netto, Inês Pandeló e Nelson Gonçalves. As palavras de Leonardo, na verdade, representam um pedido de ajuda. É que ele e cerca de mais três mil moradores vivem no bairro há mais de uma década e estão exaustos de tanto blá blá blá. Pior. No fundo, no fundo, não acreditam que as reuniões, os discursos e as mãos estendidas – em direção ao assistencialismo – dêem resultados. Eles têm razão. É que, de concreto, ainda não conseguiram nada.
O que é certo no bairro é que um terço dele, correspondente à área mais próxima do Pátio de Beneficiamento de Escória da CSN, está contaminado por resíduos químicos da Usina Presidente Vargas, contendo substâncias altamente prejudiciais à saúde dos moradores. A contaminação do solo, inclusive, gerou a abertura de uma ação civil pública que corre na 3ª Vara Cível de Volta Redonda, impetrada pelo Ministério Público Estadual. Nela, o MP exige que a CSN faça a realocação imediata de cerca de 200 famílias. O problema é que ninguém sabe dizer para onde irão essas famílias. Muito menos, se elas serão realmente realocadas. E se a direção da CSN vai abrir os cofres para bancar a operação.
As perguntas, é lógico, aguardam por respostas. E foi o que os moradores deixaram claro durante o debate da Comissão Ambiental Sul, realizado na Cúria Diocesana. É que os assuntos tratados, como em outras reuniões, envolvem mais as especulações sobre a quem caberia a culpa pela contaminação do solo do Volta Grande do que sobre os riscos à saúde dos moradores. Os parlamentares que participaram do encontro, por exemplo, colocaram seus mandatos à disposição dos moradores. E propuseram promover uma audiência pública na Assembleia Legislativa sobre o tema, prometendo ainda que não vão deixar o caso cair no esquecimento, como aconteceu diversas vezes, desde o ano de 2001, quando o aQui revelou a contaminação do bairro.
Mas, para os moradores só isso não é suficiente. “Os moradores querem e precisam de respostas concretas. Eles (moradores) já sabem quem contaminou o solo e quem liberou a construção das casas. As pessoas precisam de respostas para seus questionamentos e uma luta única por parte de todos”, disparou Igor Alexei, advogado dos moradores do Volta Grande IV, aproveitando para apontar um caminho a ser percorrido por quem realmente quiser ajudar. “Quem poluiu foi a CSN e ela tem dinheiro suficiente para fazer a realocação e terras suficientes para receber os moradores do Volta Grande IV”, completou.
Tem mais. O advogado deixou claro, durante o debate, que os moradores estão de mãos atadas convivendo com todos os riscos. “A CSN, por exemplo, não nega que há a contaminação do solo. Em todo o processo, ela admite isso. Mas a siderúrgica argumenta que a contaminação se deu quando a empresa ainda era estatal. Mas quando se compra um ativo da empresa, também se leva o passivo”, pontuou Igor Alexei, lembrando que a CSN poderia propor um Termo de Ajustamento de Conduta para realocar a população. “Por isso a pressão (da comunidade e dos políticos) precisa ser efetiva e objetiva para todos poderem ajudar os moradores”, disparou, mostrando que a saída seria fazer pressão em cima da direção da CSN, para que a empresa possa resolver, em partes, os problemas dos moradores.
Um dos líderes comunitários do Volta Grande IV, Leonardo Gonçalves, também expressou seus sentimentos na Cúria Diocesana. E deixou claro que muitas das discussões levantadas, não estariam direcionadas realmente à busca por solução das famílias. “Ficam procurando culpados, mas a gente sabe quem são os culpados. A CSN poluiu, a Feema liberou a obra. E muitos se esquecem dos reais prejudicados com a contaminação, nós, os moradores”, completou Leonardo, ressaltando que existem vários problemas que precisam ser discutidos, como a questão das árvores frutíferas. “Cerca de 12% das casas ainda têm plantas frutíferas ou leguminosas”, afirmou, para logo acrescentar: “E vocês não sabem como é ficar controlando os filhos para que eles não tenham contato com o solo”, comentou.
Riscos desconhecidos
Benzeno, naftaleno, chumbo e zinco são apenas algumas das substâncias já encontradas no solo do Volta Grande IV. E elas podem provocar desde o aparecimento de casos de leucemia como à infertilidade masculina. O professor de engenharia ambiental, Marcos Vinícius Faria, engenheiro químico por formação, por exemplo, garante que essas substâncias misturadas geram outra substância que não é conhecida. Pior. Nem os riscos que podem provocar. “Quando duas substâncias se juntam, não se sabe no que ela pode se tornar, muito menos os malefícios a saúde das pessoas expostas”, afirmou o professor, durante o debate sobre o caso do Volta Grande IV.
Mas se os riscos das substâncias juntas não são conhecidos, os malefícios de cada uma são públicos. O Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público Estadual apontou, na ação civil pública impetrada pela Promotoria, alguns riscos que as substâncias encontradas no solo podem causar aos moradores (ver tabela acima). O levantamento do MP poderia, entre outras, ajudar os técnicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da secretaria de Saúde de Volta Redonda, no estudo epidemiológico e toxicológico que será feito junto às famílias que moram no Volta Grande IV, para saber como está a saúde de cada morador e se algum deles já estaria contaminado. Há boatos, por exemplo, que uma moradora – funcionária da prefeitura de Volta Redonda – estaria bem doente por conta da contaminação do solo.
É por essas e outras que os moradores esperam ansiosamente pelo início dos estudos, o que só deve acontecer dentro de um mês. Vale lembrar que em 2004, a prefeitura da cidade do aço começou a fazer um estudo epidemiológico junto aos moradores. Infelizmente, foi feita apenas uma pequena amostragem. Mesmo assim, o estudo indicou um considerável registro de casos de abortos e leucopenia. Mas é bom frisar que não provou que a doença e as causas que originaram os abortos estavam ligadas à contaminação do bairro. Ficou apenas a suspeita, que poderá ser desfeita quando os estudos ficarem prontos.
Esperam ainda que os técnicos da Fiocruz e da prefeitura local não deixem de examinar a família de Danusa Ferreira, 39. Ela faz parte da Comissão de Moradores do Volta Grande e, em entrevista ao O Globo, contou que em 2012 foi parar numa mesa de cirurgia para tirar o útero, por causa do aparecimento de diversos cistos. Agora, os miomas voltaram nos ovários. Pior. A filha, de 11 anos, estaria sofrendo de leucopenia, doença marcada pelo baixo número de leucócitos no sangue. Seu marido também teria passado por uma cirurgia, alguns anos atrás, após desenvolver uma sinusite aguda. Já o filho teria uma alergia não diagnosticada, que faz aparecer manchas brancas em sua pele.
Na entrevista ao jornal carioca, Danusa frisou que quando comprou a casa, há 15 anos, ela andava pelas ruas e sonhava com o futuro no Volta Grande IV. “Só fomos descobrir que havia algo errado cerca de cinco anos depois. Primeiro, quando ocorreu um grande vazamento de um líquido branco numa área. A CSN comprou as quatro casas do local e cimentou tudo, transformando numa quadra de futebol. Depois soubemos que, naquele ponto, havia um depósito químico enterrado. Em todo o condomínio, quando furávamos o chão para ampliar nossas casas, brotava esse líquido branco com cheiro forte. Demorou até a CSN nos proibir de mexer na terra sem equipamentos de proteção”, afirmou.
Pressão do Inea sobre a CSN pode ser para atrapalhar planos de Steinbruch
Como o aQui informou na edição 833, que circulou em 9 de março, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, podem estar tentando atrapalhar os objetivos de Benjamin Steinbruch, dono da CSN. Segundo a reportagem, na época, a intenção dos ambientalistas seria ‘queimar o filme’ da CSN junto ao BNDES, já que Steinbruch sonhava ter o bancão como sócio na compra da CSA. Nos últimos dias, o assunto ganhou destaque na grande imprensa, que também apontou a possível estratégia do Inea e de Minc para deixar Steinbruch bem longe da CSA.
De acordo com a Folha de S. Paulo, o Governo do Estado do Rio estaria disposto a cortar os incentivos fiscais dados à Thyssen-Krupp, dona da CSA, que chegam a R$ 50 milhões anuais. Tem mais. Segundo a reportagem, Carlos Minc estaria disposto a ir ao BNDES pedir o bloqueio do incentivo a Steinbruch. Um dos temores do governo do Estado seria que o mega empresário, como fez com a CSN, transfira a sede da CSA para São Paulo. Pior. Tem mais. Minc e Cabral, entre outros, querem usar o caso do Volta Grande IV para forçar Steinbruch a bancar a descontaminação do bairro. “Vamos abrir uma frente com o BNDES para que não haja concessão de crédito para a CSN, caso ela se furte das suas obrigações ambientais”, afirmou Minc à Folha.
O colunista Ancelmo Góis, de O Globo, por sua vez, também deu destaque às ameaças do ambien-talista Carlos Minc. O jornalista garante que Minc vai acionar a direção do BNDES caso a CSN não assuma as custas de cuidar da saúde dos moradores do Volta Grande IV. “Até as chapas de aço sabem que, desde que Steinbruch mudou a sede da CSN para São Paulo, há uma grande má vontade do governo fluminense com ele”, disparou. É ele tem razão. O governo também.
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