quinta-feira, 26 de novembro de 2015

CSN quer implantar aterro industrial perto da Floresta da Cicuta, diz MPF

Órgão recomendou que ICMBio não faça mudança na gestão da unidade.
CSN, proprietária da terra, pediu alteração na categoria de manejo do local.


 Trilha principal da Floresta da Cicuta (Foto: Arquivo/ICMBio-ARIE Floresta da Cicuta)
Trilha principal da Floresta da Cicuta (Foto: Arquivo/ICMBio-ARIE Floresta da Cicuta)
Um aterro industrial de resíduos pode ser criado a 7,5 km da Floresta da Cicuta, localizada no Sul do Rio de Janeiro, no território de Barra Mansa e Volta Redonda. A informação foi divulgada na tarde desta quarta-feira (25) através de nota da assessoria do Ministério Público Federal (MPF/RJ).
No comunicado, o órgão recomendou ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) "para que suspenda imediatamente qualquer medida administrativa que represente a recategorização" da unidade de conservação de Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) para Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e que "impeça a transferência da gestão da área à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)".

ARIE e RPPN são duas das 12 categorias de manejo do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A mudança da primeira para a segunda significa, na prática, alteração na gestão e na administração da Floresta da Cicuta, que pertence à siderúrgica e atualmente é gerida e administrada pelo ICMBio. A solicitação de recategorização foi feita pela CSN junto ao ICMBio de Brasília em feveiro e veio a público neste segundo semestre de 2015, de acordo com o ICMBio local.

"A empresa, inclusive, aguarda a aprovação, pelo Instituto Estadual do Ambiente – INEA, de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA para implantação de aterro industrial de resíduos classe II na Fazenda Santa Cecília, em que se localiza a Floresta da Cicuta e que tal aterro dista aproximadamente 7,5 km da unidade de conservação federal, indicando o interesse econômico da Companhia na recategorização da ARIE e o consequente uso indiscriminado da área que hoje integra sua zona de amortecimento [uma 'área protegida' no entorno da floresta] ", diz a nota do MPF.

A Floresta da Cicuta tem 131 hectares, uma área de mata atlântica com diversas espécies animais, entre elas as ameaçadas de extinção macaco bugio e jaguatirica. A recomendação do Ministério Público Federal em Volta Redonda para que a unidade continua sendo ARIE "ressalta que o ICMBIO está se omitindo no dever de proteger a unidade, criada em 1985" e que a recategorização representaria "uma desafetação do uso público da área".

"Se o ICMBIO fizer essa recategorização, haverá um completo descaso com a proteção ao meio ambiente, pois, além de deixar de atuar incisivamente em uma área de tamanha relevância, passará a gestão à CSN, que é contumaz violadora da legislação ambiental", afirmaram os procuradores da República Julio José Araujo Junior e Rodrigo Timóteo da Costa e Silva no comunicado da assessoria.
Uma das plantas que pode ser encontrada na Floresta da Cicuta é a heliconia (Foto: Arquivo/ICMBio-ARIE Floresta da Cicuta)

Ministério Público aponta 'evidente interesse econômico'

O analista ambiental do ICMBio/ARIE Floresta da Cicuta, Sandro Leonardo Alves, explicou em entrevista ao G1 na semana passada que, com a mudança na administração, a CSN poderia ou não fazer mudanças no conselho gestor; plano de manejo, documento técnico que norteia as ações na unidade; zona de amortecimento; e na visitação à área — saiba mais.

Na nota, o MPF alerta para a importância ambiental da unidade de conversação e para a retirada de "toda a proteção da zona de amortecimento da floresta, cuja área atualmente é até maior".
"Essa zona possui fragmentos de mata atlântica e impede a expansão residencial e de atividade industrial na região, protegendo a Floresta contra o efeito de borda já existente", apontou a nota da assessoria.

"A recomendação ressalta ainda o evidente interesse econômico da CSN na recategorização da ARIE em RPPN, o que a permitiria desonerar sua zona de amortecimento e utilizá-la em atividades prejudiciais à Floresta, bem como livrar-se das obrigações assumidas em acordos com o ICMBIO, como o que estipulou a construção de uma sede na unidade, além de assumir a gestão da unidade de conservação, livrando-se dos inconvenientes da gestão pelo Poder Público".

A floresta, de acordo com o ICMBio local, é considerada ARIE desde que foi criada a unidade de conservação, em 1985, dentro da Fazenda Santa Cecília, que na época era terra pública. Em 1993, a fazenda foi privatizada e a floresta passou a ser área particular. Continuou com gestão e administração do poder público, ficando a cargo do ICMBio quando ele foi criado. Como proprietária da terra, a siderúrgica tem direito de pedir a recategorização. O ICMBio de Brasília é que faz a análise e que decide se recategoriza ou não.


O G1 procurou a assessoria da CSN, que disse que "a solicitação de licenciamento para a construção do Aterro não tem qualquer relação com o pedido de recategorização da Cicuta como Arie. Ele está localizado há cerca de 10 quilômetros da ARIE da Cicuta e não causa qualquer impacto à área".A empresa ainda apresentou "os motivos pelos quais considera que a recategorização da Cicuta para a RPPN é a mais adequada". Confira na íntegra divulgada pela assessoria:

GESTÃO – Em uma ARIE, a gestão da Unidade de Conservação é feita pelo ICMBio com suporte do proprietário, no caso da CSN. No segundo caso, quem faz a gestão é o proprietário, sob fiscalização do órgão ambiental. O custo é outra diferença: em uma ARIE quem arca com os custos é o órgão ambiental e com a RPPN, a responsabilidade é da empresa. Atualmente, por força de um Termo de Compromisso assinado em 2008, entre a CSN e o IBAMA, os custos estão sendo arcados pela empresa e totalizam cerca de R$ 1 milhão por ano.  Apenas com o pagamento de 7 funcionários para permitir o ICMBio realizar o trabalho de gestão a empresa gasta por ano R$ 780 mil (60 mil por mês). Além disso, a empresa disponibiliza um imóvel na Rua 18, na Vila Santa Cecília, para funcionar como sede do ICMBio, tem custos com mão de obra fixa e contratada, além de custos com aceiro e manutenção. “Esse TAC venceu em janeiro e a CSN apresentou uma proposta para renová-lo, que está em análise pelo ICMBio. Por enquanto, a empresa continua arcando com esses custos, mas a partir do momento que o TAC é finalizado, a empresa deixa de ter responsabilidade com os custos, que precisarão ser assumidos pelo ICMBio. Sabemos que o ICMBio, em que pese o excelente trabalho realizado no Brasil, tem responsabilidade por áreas infinitamente maiores que a Cicuta e assumir os custos poderia ser oneroso para o órgão. Nossa proposta, nesse caso, é, ao recategorizar a cicuta, assumir as responsabilidades pela gestão ambiental e desonerar o ICMBio”, afirmou Cláudio Graffunder, gerente-geral de Meio Ambiente da CSN.


PROPRIEDADE – A recategorização da Arie para RPPN não muda o status da área, que continua sendo privada. Hoje a ARIE está inserida dentro da Fazenda Santa Cecília, que é de propriedade da CSN. Há contudo uma diferença importante: ao passo em que a dimensão de uma ARIE pode ser alterada e reduzida por força de uma lei federal, a RPPN tem um gravame perpétuo, o que significa que não poderá jamais deixar de ser uma unidade de conservação. “Esse é um ponto, dentre outros, que nos faz crer que a RPPN é a categoria mais adequada para uma Unidade de Conservação que está situada dentro de uma propriedade privada”, explica Cláudio.

PLANO DE MANEJO E VISITAS – Assim como a ARIE, a RPPN terá que ter um Plano de Manejo, que precisará ser aprovado pelo ICMBio. Esse plano vai estabelecer regras por exemplo para visitação ao espaço. Essas visitas acontecem hoje e vão continuar acontecendo com a RPPN, privilegiando ações de educação ambiental e pesquisa e serão conduzidas pela CSN. “O que precisa também ficar claro é que com ARIE ou com RPPN as visitas continuarão, mas continuarão a ser controladas. Essa é uma exigência da legislação. Esse ponto precisa ficar claro para não criar uma expectativa falsa na população de que a Cicuta será aberta a população como foi no passado, em que qualquer pessoa podia entrar na área sem acompanhamento. Nessa época aconteciam grandes agressões ao meio ambiente e o ICMBio já deixou claro que, independente da recategorização da área, defende uma visitação controlada, que privilegie educação ambiental e pesquisas científicas”.

ZONA DE AMORTECIMENTO – A CSN realizará o Plantio de 40 hectares no entorno da Cicuta, em Volta Redonda, o que contemplaria toda a eventual zona de amortecimento a ser criada com o Plano de Manejo de uma Arie. “A Recategorização não altera em nada essa questão”, afirma 

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