Órgão recomendou que ICMBio não faça mudança na gestão da unidade.
CSN, proprietária da terra, pediu alteração na categoria de manejo do local.
Trilha principal da Floresta da Cicuta (Foto: Arquivo/ICMBio-ARIE Floresta da Cicuta)
Trilha principal da Floresta da Cicuta (Foto: Arquivo/ICMBio-ARIE Floresta da Cicuta)
Um aterro industrial de resíduos pode ser criado a 7,5 km da Floresta da Cicuta, localizada no Sul do Rio de Janeiro, no território de Barra Mansa e Volta Redonda. A informação foi divulgada na tarde desta quarta-feira (25) através de nota da assessoria do Ministério Público Federal (MPF/RJ).
No comunicado, o órgão recomendou ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) "para que suspenda imediatamente qualquer medida administrativa que represente a recategorização" da unidade de conservação de Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) para Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e que "impeça a transferência da gestão da área à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)".
ARIE e RPPN são duas das 12 categorias de manejo do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A mudança da primeira para a segunda significa, na prática, alteração na gestão e na administração da Floresta da Cicuta, que pertence à siderúrgica e atualmente é gerida e administrada pelo ICMBio. A solicitação de recategorização foi feita pela CSN junto ao ICMBio de Brasília em feveiro e veio a público neste segundo semestre de 2015, de acordo com o ICMBio local.
"A empresa, inclusive, aguarda a aprovação, pelo Instituto Estadual do Ambiente – INEA, de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA para implantação de aterro industrial de resíduos classe II na Fazenda Santa Cecília, em que se localiza a Floresta da Cicuta e que tal aterro dista aproximadamente 7,5 km da unidade de conservação federal, indicando o interesse econômico da Companhia na recategorização da ARIE e o consequente uso indiscriminado da área que hoje integra sua zona de amortecimento [uma 'área protegida' no entorno da floresta] ", diz a nota do MPF.
A Floresta da Cicuta tem 131 hectares, uma área de mata atlântica com diversas espécies animais, entre elas as ameaçadas de extinção macaco bugio e jaguatirica. A recomendação do Ministério Público Federal em Volta Redonda para que a unidade continua sendo ARIE "ressalta que o ICMBIO está se omitindo no dever de proteger a unidade, criada em 1985" e que a recategorização representaria "uma desafetação do uso público da área".
"Se o ICMBIO fizer essa recategorização, haverá um completo descaso com a proteção ao meio ambiente, pois, além de deixar de atuar incisivamente em uma área de tamanha relevância, passará a gestão à CSN, que é contumaz violadora da legislação ambiental", afirmaram os procuradores da República Julio José Araujo Junior e Rodrigo Timóteo da Costa e Silva no comunicado da assessoria.
Uma das plantas que pode ser encontrada na Floresta da Cicuta é a heliconia (Foto: Arquivo/ICMBio-ARIE Floresta da Cicuta)
Ministério Público aponta 'evidente interesse econômico'
O analista ambiental do ICMBio/ARIE Floresta da Cicuta, Sandro Leonardo Alves, explicou em entrevista ao G1 na semana passada que, com a mudança na administração, a CSN poderia ou não fazer mudanças no conselho gestor; plano de manejo, documento técnico que norteia as ações na unidade; zona de amortecimento; e na visitação à área — saiba mais.
Na nota, o MPF alerta para a importância ambiental da unidade de conversação e para a retirada de "toda a proteção da zona de amortecimento da floresta, cuja área atualmente é até maior".
"Essa zona possui fragmentos de mata atlântica e impede a expansão residencial e de atividade industrial na região, protegendo a Floresta contra o efeito de borda já existente", apontou a nota da assessoria.
"A recomendação ressalta ainda o evidente interesse econômico da CSN na recategorização da ARIE em RPPN, o que a permitiria desonerar sua zona de amortecimento e utilizá-la em atividades prejudiciais à Floresta, bem como livrar-se das obrigações assumidas em acordos com o ICMBIO, como o que estipulou a construção de uma sede na unidade, além de assumir a gestão da unidade de conservação, livrando-se dos inconvenientes da gestão pelo Poder Público".
A floresta, de acordo com o ICMBio local, é considerada ARIE desde que foi criada a unidade de conservação, em 1985, dentro da Fazenda Santa Cecília, que na época era terra pública. Em 1993, a fazenda foi privatizada e a floresta passou a ser área particular. Continuou com gestão e administração do poder público, ficando a cargo do ICMBio quando ele foi criado. Como proprietária da terra, a siderúrgica tem direito de pedir a recategorização. O ICMBio de Brasília é que faz a análise e que decide se recategoriza ou não.
O G1 procurou a assessoria da CSN, que disse que "a solicitação de licenciamento para a construção do Aterro não tem qualquer relação com o pedido de recategorização da Cicuta como Arie. Ele está localizado há cerca de 10 quilômetros da ARIE da Cicuta e não causa qualquer impacto à área".A empresa ainda apresentou "os motivos pelos quais considera que a recategorização da Cicuta para a RPPN é a mais adequada". Confira na íntegra divulgada pela assessoria:
GESTÃO – Em uma ARIE, a gestão da Unidade de Conservação é feita pelo ICMBio com suporte do proprietário, no caso da CSN. No segundo caso, quem faz a gestão é o proprietário, sob fiscalização do órgão ambiental. O custo é outra diferença: em uma ARIE quem arca com os custos é o órgão ambiental e com a RPPN, a responsabilidade é da empresa. Atualmente, por força de um Termo de Compromisso assinado em 2008, entre a CSN e o IBAMA, os custos estão sendo arcados pela empresa e totalizam cerca de R$ 1 milhão por ano. Apenas com o pagamento de 7 funcionários para permitir o ICMBio realizar o trabalho de gestão a empresa gasta por ano R$ 780 mil (60 mil por mês). Além disso, a empresa disponibiliza um imóvel na Rua 18, na Vila Santa Cecília, para funcionar como sede do ICMBio, tem custos com mão de obra fixa e contratada, além de custos com aceiro e manutenção. “Esse TAC venceu em janeiro e a CSN apresentou uma proposta para renová-lo, que está em análise pelo ICMBio. Por enquanto, a empresa continua arcando com esses custos, mas a partir do momento que o TAC é finalizado, a empresa deixa de ter responsabilidade com os custos, que precisarão ser assumidos pelo ICMBio. Sabemos que o ICMBio, em que pese o excelente trabalho realizado no Brasil, tem responsabilidade por áreas infinitamente maiores que a Cicuta e assumir os custos poderia ser oneroso para o órgão. Nossa proposta, nesse caso, é, ao recategorizar a cicuta, assumir as responsabilidades pela gestão ambiental e desonerar o ICMBio”, afirmou Cláudio Graffunder, gerente-geral de Meio Ambiente da CSN.
PROPRIEDADE – A recategorização da Arie para RPPN não muda o status da área, que continua sendo privada. Hoje a ARIE está inserida dentro da Fazenda Santa Cecília, que é de propriedade da CSN. Há contudo uma diferença importante: ao passo em que a dimensão de uma ARIE pode ser alterada e reduzida por força de uma lei federal, a RPPN tem um gravame perpétuo, o que significa que não poderá jamais deixar de ser uma unidade de conservação. “Esse é um ponto, dentre outros, que nos faz crer que a RPPN é a categoria mais adequada para uma Unidade de Conservação que está situada dentro de uma propriedade privada”, explica Cláudio.
PLANO DE MANEJO E VISITAS – Assim como a ARIE, a RPPN terá que ter um Plano de Manejo, que precisará ser aprovado pelo ICMBio. Esse plano vai estabelecer regras por exemplo para visitação ao espaço. Essas visitas acontecem hoje e vão continuar acontecendo com a RPPN, privilegiando ações de educação ambiental e pesquisa e serão conduzidas pela CSN. “O que precisa também ficar claro é que com ARIE ou com RPPN as visitas continuarão, mas continuarão a ser controladas. Essa é uma exigência da legislação. Esse ponto precisa ficar claro para não criar uma expectativa falsa na população de que a Cicuta será aberta a população como foi no passado, em que qualquer pessoa podia entrar na área sem acompanhamento. Nessa época aconteciam grandes agressões ao meio ambiente e o ICMBio já deixou claro que, independente da recategorização da área, defende uma visitação controlada, que privilegie educação ambiental e pesquisas científicas”.
ZONA DE AMORTECIMENTO – A CSN realizará o Plantio de 40 hectares no entorno da Cicuta, em Volta Redonda, o que contemplaria toda a eventual zona de amortecimento a ser criada com o Plano de Manejo de uma Arie. “A Recategorização não altera em nada essa questão”, afirma